Treino

Treino: Do Específico ao Integrado - por Gonçalo Lopes


6#  Reposições com o pé: perfeccionismo ou exagero?
(23 Setembro, 2014)

Tema controverso ao longo dos últimos anos. O que é facto é que todos os guarda redes contemporâneos utilizam uma só técnica de reposição com o pé. Mas já lá vamos. Primeiro é de salientar que quando falamos de reposições com o pé não estamos a referir-nos aos pontapés de baliza e ao jogo de pés em passe atrasado. Estamos apenas e só a referir a reposição efectuada com o pé, proveniente das mãos do guarda redes.

Dito isto, é também importante dar uma pequenina nota sobre a noção táctica base destas reposições. O primeiro e mais comum ouvido pelos comentadores e treinadores é que o mesmo, se for executado após a recepção de um cruzamento por exemplo, deve ser se possível e se for a melhor solução, reposto no corredor contrário ao local de onde a bola se encontrava.

Assim, a reposição deve ter um pressuposto estratégico. Portanto, deve estar assente na premissa da precisão e não do acaso. Para que isto aconteça a bola deve ser enviada de forma tensa para que seja mais fácil de recepcionar pelo colega. Mas hoje não nos queremos focar na técnica em si.

Antigamente, existiam três técnicas de reposição em jogo: reposição frontal, reposição à inglesa e half-voley ou reposição sul-americana. O half-voley foi genericamente começado a utilizar-se devido à sua eficácia em transições ofensivas rápidas. Para a sua execução deve-se colocar a bola numa mão e pontapear com o pé contrário com o corpo inclinado, de forma a que bola não ganhe demasiada altura, mas que seja tensa e rápida. Contudo, deve-se enfatizar que é a técnica de mais difícil execução.
Half-Volley Kick
Mas porque é que esta técnica passou a ser usada em detrimento do pontapé à inglesa? Que tantos e bons resultados também obtinha.

Na nossa óptica aconteceu uma espécie de "propaganda". O "produto" só é vendido se este guarda redes for perfeito e o sinónimo de ser perfeito é executar este pontapé no caso das reposições. Se não executar, o "produto" mais dificilmente é "comercializado".

Não estamos a dizer que a técnica não é eficaz, antes pelo contrário! Mas não existirá guarda redes que se sentem mais confortáveis a utilizar uma outra técnica e serem igualmente eficazes? Temos de obrigar a que o produto de formação seja realizar half-volley? O que valerá mais: a eficácia ou a beleza? o perfeccionismo ou a generalidade? Fica esta questão para responder.. 


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5#  Passe Atrasado: Os Guarda-Redes também fazem coberturas
(11 Julho, 2014)

Muitos jogos temos visto por este Mundial 14’ fora. É certo que findato a época nos clubes, temos tendência a olhar para o futebol espectáculo, mas ainda assim não deixamos de ter um olho clínico sobre os guarda redes, ainda que numa análise menos profunda.

Nessa mesma análise, reparamos que algumas selecções ou culturas menos desenvolvidas no treino de guarda redes, nomeadamente algumas selecções africanas ou sul americanas, acabou-se por se observar que alguns guarda redes não realizam algo que se chama uma cobertura ofensiva, que está inserido no contexto de jogo ofensivo passe atrasado.

A cobertura ofensiva serve como linha de passe ao colega portador da bola e o guarda redes, tal como outro jogador qualquer em campo, deve cumprir este principio. No fundo, esta cobertura serve para oferecer ao colega com bola mais uma opção viável e segura de manter a posse (ou não) sem risco de perder a mesma em zonas proibidas. Daí entender-se de extrema importância o trabalho do jogo de pés que o guarda redes actual deve ter.

Os mais “antigos” a verem futebol normalmente questionam este passe atrasado porque o jogar “é para a frente!”, mas o seu uso é fundamental.

A partir daqui temos de partir para o posicionamento. Onde se deve o guarda redes colocar para dar uma cobertura adequada? Aqui as opiniões variam um pouco, mas no geral pensamos que é de enorme relevância o lado e a profundidade da cobertura.
Exemplo de uma linha de passe bem conseguida pelo guarda-redes
Ora vejamos: se o colega portador da bola não tiver qualquer tipo de pressão, o guarda redes deve de certa forma “abrir”, sendo mais um elemento para conseguir circular bola, ou seja, rodar o centro do jogo. Ao invés, se o portador bola tiver pressão, o guarda redes deve dirigir-se para a linha de fundo, numa zona mais frontal ou próxima do portador, tal como indica a imagem. Assim, afirmamos que ao recuar para a linha de fundo, o guarda redes está a ganhar tempo e espaço podendo rodar jogo se tiver espaço suficiente para o fazer, analisando também uma segunda linha de pressão. Se essa segunda linha de pressão existir, o normal é pontapear a bola para uma zona distante da pressão.

Após esta explicação, pertinente é um caso prático: Rui Patricio foi “crucificado” numa bola em que a sua acção quase ia dando golo à equipa contrária. Pepe tem pressão e atrasa a bola. Esse atraso ocorre para o lado oposto onde Rui Patricio se encontra. O guarda redes estava bem posicionado, percebeu o momento do jogo, percebeu o contexto do jogo e é o seu colega que tem uma má analise numa primeira instância e atrasa-lhe a bola para uma zona errada. O que ocorre a seguir é uma má acção do português. Rui Patricio estava bem posicionado? Sim, só que às vezes falam pessoas que não percebem muito do assunto, influenciando quem está a ouvir de forma errada…

Podem observar este lance através do link: http://www.youtube.com/watch?v=kBH6BCnBlKE, entre os 0:25 e os 0:40. Façam o vosso juízo! A minha análise está no parágrafo anterior e penso que seja a mais correcta!

Um guarda redes mais completo é aquele que está integrado com a equipa e como tal é mais um no processo ofensivo de uma equipa!

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4#  Avançado vs Guarda Redes, a adivinhação inconsequente
 (28 Abril, 2014)

“Artur sofre golo de Carlos Tevez aos 72’ para a Liga Europa; Helton sofre o 2-2 em Guimarães para a Liga à 21ª Jornada; Quim sofre o terceiro golo numa derrota humilhante de 5-1 contra o Olympiakos, na Liga Europa”. O que é que todos estes lances têm em comum? Serem duelos entre avançado e guarda redes e nestes três casos em específicos o guarda redes era o último homem a ser batido.

Muitos irão dizer “coitados, já eram os últimos, também não os podemos sempre culpar”. Em certa forma até pode ser verdade, mas é falacioso. Não se trata de culpabilizar, mas sim de tentar primeiro corrigir o erro dos colegas de equipa e corrigir o seu próprio erro. Tem-se inscrito os guarda redes numa corrente teórica em que o mesmo deve estar inserido numa lógica de antecipação e não de espera, mas não podemos exagerar.

Passando a termos mais técnicos, o que se quer fundamentar é que não deve ser o guarda redes a tomar a decisão do lado em que a bola irá ser rematada, mas sim o contrário! Deixemos essa decisão para o avançado, já temos tantas para fazer. No geral, todos os lances descritos têm erros por não encurtarem demasiado o ângulo ao ponta de lança e fazerem uma espécie de adivinhação, que eu diria, inconsequente.

Em termos táctico-técnicos, podemos afirmar que talvez este seja um dos conteúdos mais difíceis de ensinar, muitas das vezes pela ânsia de os atletas quererem ter a bola em seu poder. Primeiramente, deve-se encurtar ângulo de forma sustentada. Quando afirmamos isto, queremos dizer que temos de ter em muita atenção o que o avançado está a pensar fazer, se tem a bola controlada para driblar ou se ficou preparado para rematar. Se tivermos a percepção de drible, devemos rapidamente encurtar espaço. De seguida, quando esse espaço está devidamente coberto, devemos efectuar uma posição base baixa, que é especifica neste contexto de saída da baliza, em que devemos ter as pernas flectidas e corpo inclinado para a frente, tal como o calcanhar, para o peso ser enviado para a frente do nosso corpo. Para além disso não devemos dobrar as costas e deve-se colocar os braços paralelos à zona das canelas com a palma da mão virada para a frente. E depois literalmente espera-se pela decisão de quem está em posse de bola. Bola? Outro ponto fundamental! Olhar sempre na bola, nunca se deixando iludir pelos possíveis movimentos corporais. 
Voo de Casillas num 1x1 frente ao avançado
Assim, e depois desta explicação, não nos podemos esquecer da acção propriamente dita. O avançado pode chutar directamente ao corpo e aí defendo a corrente espanhola (vejam Iker Casillas e De Gea) através de uma técnica chamada de parede ou técnica de futsal, pelas parecenças que daí decorrem; ao invés o avançado pode tentar driblar o guarda redes e aí é preciso muita concentração, sempre com ataque à bola para não pormos em cima da mesa o risco de promovermos contacto com as pernas no adversário. Para além disso, naturalmente, é importantíssimo a capacidade de deslocamentos e coordenação.

Concluindo, se fizermos bem o nosso papel, encurtando o maior ângulo possível, evitando também o habitual chapéu, estamos a fazer tudo de forma correcta, mesmo que seja golo! Porque no futebol é preciso mérito e trabalho, e o avançado também de o ter obviamente. Mas para ganharmos esta batalha… não podemos ser bruxos, podemos sim ser inteligentes e competentes!  

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3#  Técnica de queda, o principio de um começo
(13 Abril, 2014)

Em “artigos” anteriores, foram abordados temas de maior complexidade. Contudo, não devemos esquecer a base por onde tudo normalmente começa, seja de forma amadora na praia ou no parque mais próximo, seja em treino de guarda-redes: a queda. Ocanã (1997), definia a queda de uma forma geral como sendo “realizada, com qualquer superfície corporal em contacto com o solo, à excepção dos apoios. Com os braços estendidos, flexão e abdução da perna que entra em contacto com o solo”.

Definido este conceito, é importante chegar a um consenso nalguns pontos, sobretudo no que ao treino diz respeito. Primeiro, esta é uma técnica fundamental ao acto de ser guarda-redes e como tal a mesma deve ser apreendida se possível em tenra idade (sub-6 é um óptimo escalão para iniciação). Segundo, esta é base de sustentação de um guarda redes competente. E terceiro, o treinador tem um papel activo na correcção e aperfeiçoamento desta componente técnica ao longo dos anos.

Falando da técnica em si é necessário ter em atenção aspectos muito específicos para que a queda seja correctamente efectuada. Salientamos a perna de ataque à bola, que é a mais próxima do lado da bola; deverá ser sempre realizada na diagonal à frente, de forma a reduzir o maior ângulo possível e a atacar a bola; balanceamento da perna de ataque na superfície de contacto.

A partir daqui é imperativo perceber que em consonância com esta técnica, aprendem-se outros conceitos fundamentos ao acto de defender. Subjacentes estão o entendimento dos deslocamentos e apoios que são precisos fazer para atacar a bola da melhor forma e também a colocação das mãos à bola.
Van der Sar e a sua técnica de queda
Desta forma, é no nosso entender, a melhor e mais eficaz forma de se processar o ensino da técnica de queda. Contudo é de enfatizar outros pontos: no método aplicado, é numa primeira fase prioritário perceber a queda a bolas rasteiras e picadas (nas rasteiras, costumamos de forma carinhosa dizer que a queda deve ser feita “a cortar a relva”) e posteriormente e progressivamente a queda com bolas a meia altura e altura maior. Também, numa primeira instância, deve ser ensinada a técnica de bloqueio da bola e só depois a técnica de desvio, para que o guarda redes não tenha desde cedo o hábito de nunca bloquear qualquer tipo de bola por menor grau de exigência que o lance apresente.

Para além de todos os conselhos e recomendações técnicas especificas, deve também ser complementado a integração da técnica do jogo, ou seja, se possível, aplicar esta técnica de forma contextualizada em fases do treino, para que o guarda redes aprenda desde cedo os posicionamentos que deve ter na baliza em diferentes zonas de remate.

Em suma, considera-se que com todos os pontos base enunciados, tenhamos guarda redes mais capazes na altura de chegada à baliza de futebol de 11 (sub-13). Claramente, estarão prontos para complexidade táctico-técnica e outros voos (literalmente!) poderão ser feitos… porque o primado técnico já foi adquirido!

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2#  Posicionamento Vertical e Horizontal, as vantagens do ofensivo
(17 Março, 2014)

“Este Guarda Redes sai-se tão mal, que indeciso”, “E aquele? Fica sempre agarrado à baliza, fraco…”. Pensamentos e frases típicas proferidas por adeptos. Mas não são só estes que têm esta visão, muitos comentadores também apontam estes erros, não mostrando muita das vezes qualquer tipo de solução.

O Posicionamento Vertical, vulgarmente conhecido como profundidade, deve ser trabalhado de forma consistente e a melhor forma de o fazer é mesmo de modo integrado. Provavelmente é um dos contextos que temos de nos aproximar mais do jogo em contexto de treino, para este ter uma melhor compreensão por parte dos atletas.

Efectivamente, é necessário entender este momento e contexto do jogo através de alguns parâmetros: primeiro, a bola, o principal referencial em qualquer situação; de seguida, o bloco defensivo, de modo a termos a orientação espacial da distância que devemos manter do mesmo, em função do terceiro parâmetro, o espaço, que deve ser reduzido na tentativa do encurtar de linhas entre a equipa, funcionando a mesma em bloco. Por último, obviamente, importa saber o que o adversário pode fazer, através do seu posicionamento, se tem ou não pressão, se consegue rematar a baliza e de que o modo o pode fazer, para onde tem os apoios direccionados, etc.

Para além da verticalidade, é preciso entender a horizontalidade, através do designado bascular, que geral dificuldades de compreensão e integração em escalões mais novos. Em jeito de brincadeira, acho mais fácil explicar que “o bascular é como os matraquilhos, estamos todos de mão dadas e quando se empurra um manípulo, todos caminham para o mesmo lado”. Fica a ideia! Contudo, é de salientar que defendo que esta horizontalidade funciona quando o Guarda-Redes está a trabalhar em contexto de saída, fora da zona de baliza, quando a bola está habitualmente no meio campo contrário, tendo o Guarda Redes este papel importante de trabalhar no “espaço”.
Neuer numa saída na Final da Supertaça Europeia com a cabeça fora da área
Finalmente, acho importante falar da génese do próprio guarda redes, aquele que se sente à vontade a jogar fora da sua zona de conforto de uma forma mais ofensiva. Normalmente, ao longo dos anos, constato que a larga maioria dos guarda redes mais defensivos neste contexto, são defensivos nos restantes e o contrário também se verifica. Ainda assim, se desde tenra idade for incutida uma mentalidade mais ofensiva, explicando as vantagens que se vão alcançar através deste posicionamento, é possível existirem atletas a jogar com mais à vontade fora do seu “habitat”, funcionando de certa maneira como o antigo líbero, estando cada vez mais integrados na sua relação com a equipa.

Concluindo, na minha ideia de jogo, o guarda redes mais ofensivo pode provocar diferentes sentimentos: por um lado confiança própria por estar à vontade em diversas zonas do campo mais afastadas da baliza, quando assim tem de ser, confiança aos colegas, pois sentem que não existe medo por parte do colega em estar “fora dos postes” e confiança que mostra ao adversário, que de forma indirecta diz à equipa contrária “eu estou presente!”. Guarda Redes ofensivos não são melhores nem piores, são diferentes…
 


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1# Modelo e Método de treino, uma ideologia
(1 Março, 2014)

Aceitando um desafio de elaborar artigos de opinião, achei por bem iniciar de um modo aberto a todos, incentivando a discussão através do ponto de partida: o título da rubrica. Antes disso, e relacionando com o artigo desta semana, é importante explicitar que, o modelo de jogo implementado nos nossos guarda-redes, deve na nossa opinião, por um lado estar adequado ao modelo da equipa/clube e consequentemente estar relacionado com o método de treino aplicado.

Entramos agora numa temática controversa: “O treino especifico de Guarda-Redes”. Não sabemos se é um conceito estranho, antigo ou desadequado, o que sabemos é que é dita amplamente por profissionais do ramo e que no nosso entender, é conotado de forma errada. Parece que nos remete a uma “ilha” no treino, com discursos parecidos a “Hoje tens 20 min para trabalhar”, “Amanhã já te posso dar tempo”. Então mas afinal o que somos nós? Analfabetos no treino? Julgo que não! Temos responsabilidades dentro do treino, e temos de uma forma urgente de usar argumentos capazes de expor as nossas ideias. Antes de termos uma especificidade, somos treinadores. Daí a importância de existir uma vertente federativa direcionada ao treino de GR, mas também a componente de formação geral.

Assim, e após falarmos sobre algumas variáveis, na nossa ideologia o jogo é a base, desde tenra idade. É certo que o primado técnico é essencial, mas será que não conseguimos fazer exercícios com algumas noções básicas do jogo? Será necessário ensinar técnica de forma totalmente descontextualizada? Ainda assim, e no seguimento destas questões, acreditamos também que o nosso método de treino molda GR com identidade própria. De certa forma, convictamente, pode-se formar GR diferentes mas iguais, diferentes no seu modo de ser e de estar, mas igualmente eficazes, com as suas individualidades próprias. 
Treino no VSC com Nilson e Douglas
Resumidamente esta é a ideia que temos, que se reflecte no jogo e vice-versa, porque o mesmo é a base. E se o mesmo é a base, que tal chegar ao integrado? Envolver-nos nas diferentes áreas do treino e sabendo que num dia por exemplo o intuito é treinar cruzamentos, teremos de estar sempre na nossa ilha? No treino integrado não se fazem exercícios com o mesmo intuito e de forma mais real? Atenção, não é acabar com o específico, é chegar ao integrado…

Finalmente é de salientar dois pontos: primeiro, o método de treino por mim praticado actualmente é uma adaptação de algumas formações que fui fazendo, tendo por base as ideias do método de treino dos quadros das selecções nacionais, pois sempre foi o que me fez mais sentido, criando exercícios a partir do Momento, Contexto e no final, acção técnica. Segundo, não há nem modelos nem métodos piores ou melhores, existe sim o que acreditamos e para nossa evolução enquanto técnicos é necessário também tentar perceber outros métodos e exercícios, ainda que nos possam parecer o mais absurdo possível. Para determinado treinador, eles terão o seu objectivo, então vamos fazer uma compreensão do mesmo!




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